terça-feira, maio 30, 2006

A propósito de protesto

O que é "música de protesto", Francisco? Chamo-te a atenção para o seguinte: o nosso próprio Hino Nacional, tão vibrantemente entoado nos estádios de futebol, começou por ser um tema de protesto contra o Ultimato britânico de 1890. A Marselhesa tem origem semelhante. Queres outro hino de protesto que resiste a todos os ventos e a todas as modas? Le Chant des Partisans, imortalizado por Yves Montand - o mesmo que depois filmou em Hollywood uma fita fútil com Marilyn Monroe. Isto anda tudo ligado. Grande parte da música popular dos nossos dias tem a sua raiz na "canção de protesto" - de We Shall Overcome, de Pete Seeger, a The Times They Are A-Changing, de Bob Dylan, de Léo Ferré a Jacques Brel - sem esquecer os Beatles e os Pink Floyd. Queres canção mais bela do que a Construção, de Chico Buarque? Ou o Cálice, da dupla Chico Buarque-Gilberto Gil? José Afonso, Sérgio Godinho, Fausto e Jorge Palma - todos se celebrizaram por "canções de protesto". Mas nenhum parou aí. Cada um deles compôs também alguns dos temas de maior lirismo, de maior sensibilidade e de maior elevação artística que desde sempre se produziram na nossa língua.
E já agora: queres mais evidente tema "de protesto" do que o sublime Fado de Peniche (Abandono, na versão oficial) gravado por Amália, com letra de David Mourão-Ferreira? A mesma Amália que também gravou Grândola, Vila Morena e a Trova do Vento que Passa...