quarta-feira, abril 05, 2006

Fantasias (crónica)


A minha avó morava numa vila do interior onde havia uma pequena biblioteca da Fundação Gulbenkian. Nas férias de Verão (teria dez ou onze anos) adorava ir à biblioteca e, entre os livros que preferia estavam os de Jules Verne. Era uma colecção extensa e todos os volumes tinham gravuras lindas. Gostava dos Sandokan, mas preferia aqueles, talvez por causa das imagens. Eram livros disputados, difíceis de apanhar. Foi nessa altura que li as Vinte Mil Léguas Submarinas ou a Viagem ao Centro da Terra.
Na adolescência comecei a ler livros da colecção Argonauta. Os primeiros cem têm capas que sugerem mundos fabulosos. Agora, percebo que me escapava muita coisa (era demasiado jovem), mas naqueles textos havia ideias fantásticas. O primeiro filme da Guerra das Estrelas foi outro passo de deslumbramento. Mais tarde, um outro filme, Blade Runner, levou-me a Philip K. Dick, o autor americano de ficção científica, que julgo ser um dos grandes escritores da segunda metade do século passado. Não existe autor mais imitado, até plagiado. Dick explora duas ideias poderosas: a manipulação da percepção e a incerteza entre o que é real e fantasia.
No fundo, gosto da ficção científica pelo que esta tem de especulação. Mais do que as histórias ou as personagens, aquilo tem uma vertente de arte conceptual. A ideia conduz sempre a história. É curioso ver que estes livros, na sua maioria, discutem problemas da actualidade através de demonstrações por absurdo. Daí os universos expressionistas, os exageros e as distorções. Acho também interessante que, neste género, haja tantos enredos sobre mundos que resultam de colapsos civilizacionais, transformados em sociedades doentes, que esmagam os indivíduos.
A imaginação do tempo de Verne era francamente optimista. Nós, por outro lado, temos uma visão do futuro que antecipa o pior.