quarta-feira, abril 26, 2006

Чорнобиль


Estive em Chernobyl em 1997 com o antigo Presidente Jorge Sampaio, no segundo ano de mandato deste, e admito que a experiência marcou-me bastante. Partimos cedo de Kiev e a chegada à central propriamente dita foi vivida com apreensão por todos quantos iam a trabalhar ou a acompanhar a visita presidencial à Ucrânia. Muitos, lembro-me bem, perguntaram ao ministro da Ciência, Mariano Gago (o mesmo de hoje, curiosamente), se a visita não acarretava danos para a integridade física de cada um. Foi-nos dito que não, o tempo que ali passaríamos não era o suficiente para isso, nem os níveis de radioactividade estavam assim tão elevados no posto de observação para onde seguimos.
A verdade é que durante a visita vários de nós íamos sempre de olhos postos no aparelhómetro que media a radioactividade. E assistimos atentos às explicações sobre os perigos que advinham da deterioração do sarcófago construído sobre o reactor e que naquela altura (pouco mais de dez anos depois do acidente) já estava em avançado estado de degradação. Na altura, Sampaio ouviu dos responsáveis ucranianos a necessidade de haver ajudas internacionais para reforçar a estrutura de betão do sarcófago, construída nos dias seguintes ao acidente de 26 de Abril de 1986 por homens corajosos que ficaram sujeitos aos mais altos índices de radioactividade. Na volta da viagem, a bordo do avião presidencial fretado para o efeito, o Presidente Sampaio confidenciou-me que iria escrever ao então Presidente Bill Clinton sobre o assunto. Há semanas tive a oportunidade de comentar estas e outras coisas com um Jorge Sampaio já em fim de mandato e o sentimento foi o mesmo. Quem lá esteve não esquece.
Aquele dia passado na central nuclear e, sobretudo, a visita que fiz a Pripyat, com mais uns tantos jornalistas e repórteres fotográficos, como o Rui Ochoa, fica para sempre. Na cidade-fantasma de Pripyat (num raio de três quilómetros da central) viviam a maior parte dos trabalhadores da central de Chernobyl e as suas famílias. Quem foi a Pripyat (na foto), ultrapassou a cerca e circulou pelas ruas fica com algumas imagens terríveis guardadas na memória. Jardins de infância abandonados tal como estavam nos dias que se seguiram ao acidente (sim, porque as autoridades soviéticas demoraram a avisar as populações e a ordenar a evacuação), escolas viradas do avesso com os livros no chão, lojas de electrodomésticos intactas, casas com as janelas abertas e as cortinas a abanar... E nem uma pessoa, numa cidade-dormitório com alguns milhares de habitantes. Só nós.
Quando saímos por breves instantes da navette sentimos um arrepio na espinha. Falo por mim, mas quase de certeza que todos o sentiram. Olhava-se em volta e era uma calma de morte.