A crítica e o resto (3)
Antes, na dúvida, lia-se. Agora, na dúvida, ignora-se. O livro não chega a abrir-se, o filme não chega a ser visto. É o novo modo de aniquilar um autor: fingir que ele nem sequer existe. Algumas das películas mais interessantes que estrearam no ano passado entre nós foram total ou parcialmente ignoradas pela crítica cinematográfica. Incluindo Colisão, o filme que acaba de ser galardoado com o Óscar de Hollywood - vários críticos cá do burgo nem se deram ao trabalho de o espreitar numa sala. O mesmo se passou, no campo literário, com o último volume de contos de Rui Zink, intitulado A Palavra Mágica - uma das mais estimulantes obras de ficção lançadas em Portugal em 2005, acolhida com um pesado silêncio crítico enquanto havia quem gabasse nulidades literárias como Jardim Colonial, de José António Saraiva. Uma inversão de valores que me faz lembrar aquele juízo crítico formulado por um escriba americano quando Walt Whitman lançou Leaves of Grass, em 1855. "Uma massa imunda de estupidez", bolsou o escriba. Sem reparar que estava afinal a ver-se ao espelho.