Sabor a papel
José Sócrates foi hoje apupado quando se preparava para falar em Estrasburgo, numa cena nunca vista no Parlamento Europeu. Alguns eurodeputados chegaram ao ponto de acenar com cartazes exigindo uma consulta popular ao Tratado de Lisboa. Sócrates pode não gostar do referendo, e tem boas razões para isso, não pode é dizer à saída do PE que aquela sessão foi muito "vibrante", como se nada fosse.
O que me parece é que o primeiro-ministro começa a exagerar no excesso de entusiasmo com os resultados da sua presidência da União Europeia. É óbvio que a coisa correu bem e que o País ganha prestígio e respeitabilidade com isso. Torna-se mais credível. A realização da Cimeira UE-África é importante, sobretudo porque não acontecia há sete anos. Porque os dois continentes, apesar das imensas diferenças, deixam de estar de costas tão voltadas.
É também óbvio que a assinatura do Tratado de Lisboa, amanhã no Mosteiro dos Jerónimos, é um ponto alto da nossa diplomacia. Mas esse mérito não se deve apenas a Sócrates, muito menos apenas à presidência portuguesa. Merkel preparou o terreno, ao conceder o mandato, ainda na presidência alemã. E depois um grupo enorme de técnicos de várias nacionalidades, coordenados por portugueses, chegaram a bom porto. É bom para Portugal.
Mas Sócrates não pode confundir os planos. No plano externo, a sua acção política trouxe resultados. Mas esses resultados não se traduzem imediatamente em lucros políticos internos, muito menos em votos. Vou só lembrar que não é a primeira vez que Portugal tem excelentes resultados com as suas presidências. Aníbal Cavaco Silva e António Guterres tiveram exercícios muito elogiados e, no entanto, o primeiro acabou por perder as primeiras presidenciais a que se candidatou (em 1996) e o segundo acabou por cair no pântano que se sabe, tendo pedido a demissão no dia seguinte a umas eleições autárquicas. Guterres chegou, se bem se lembram, a ser falado para presidente da comissão, o lugar foi-lhe oferecido de bandeja.
Os portugueses não comem tratados nem cimeiras e, a partir de Janeiro de 2008, é bom que Sócrates comece a olhar mais para o País. Para o caos na segurança interna, para o aumento do desemprego (os dados de ontem revelam isso) e para o facto mais que comprovado de que a economia não arranca.