Doris Lessing: testemunha da História
Nunca li nenhuma obra de Doris Lessing, a escritora britânica agora galardoada com o Prémio Nobel da Literatura. Mas gosto da imagem desta senhora de 88 anos, dona de uma invejável vitalidade, que posa para as objectivas fotográficas sem receio de exibir as rugas. Tem a expressão serena e determinada de quem já viveu muito mas ainda não viveu bastante, de quem já deixou muitas ilusões pelo caminho mas ainda não as perdeu por completo. Uma lição de vida nesta era em que só a “imagem” conta – a imagem de uma falsa juventude alardeada em todas as capas de todas as revistas por “empresárias” e “empresários” que nunca tiveram empresa alguma, por “organizadoras” e “organizadores” de “eventos” que nem sabem muito bem explicar o que isso é, por “relações públicas” que se limitam a exibir o seu próprio vazio intelectual.
Doris Lessing fixa as câmaras de frente. Não disfarça a idade, não esconde as marcas do tempo, desfia as memórias de uma longa existência que acompanhou grande parte do turbulento século XX – talvez o mais tumultuoso da História – que lhe serviu de matéria ficcional. Nasceu num país então chamado Pérsia – hoje o Irão dos aiatolás, onde os patrulheiros islâmicos detêm pares de namorados que ousam entrelaçar as mãos em público. Viveu largos anos na Rodésia do Sul – hoje o espectral Zimbábue desgovernado pelo demencial Robert Mugabe que se prepara para ser recebido com todas as honrarias e todas as mordomias em Lisboa. Viveu o melhor e o pior da História: viu, ouviu, leu, escreveu, continua a dar testemunho do que a rodeia. Percebe-se que a idade, para ela, pouco mais é do que uma data inscrita no bilhete de identidade.
Gostei das recentes declarações de Doris Lessing ao suplemento dominical do El País. Gostei de perceber que a autora galardoada com o Prémio Nobel 2007 não se mantém em silêncio perante as injustiças. Ouçamos o que ela diz sobre o Irão, a antiga Pérsia agora novamente mergulhada nas trevas medievais em matéria de costumes: “Odeio o Irão, odeio o governo iraniano, é um governo mau e cruel.” Ouçamos o que ela diz sobre o infortunado Zimbábue, a antiga Rodésia do Sul que chegou a ser o celeiro da África Austral: “Neste momento, as pessoas morrem de fome neste país que dava de comer a toda a região, onde havia cultivo de todo o género.” Cita uma amiga lá residente que se queixa de passar “uma semana inteira sem água, quatro dias sem electricidade”, da ausência dos alimentos mais básicos. “Não há pão, não há batatas...”
Passa-se fome no Zimbábue, país destruído pelo capricho de um déspota sem escrúpulos ainda tolerado pelas chancelarias ocidentais. As mulheres são cidadãs de segunda na detestável teocracia iraniana. Doris Lessing, ao contrário de alguns dos seus pares, sempre prontos a confraternizar com ditadores, não cala estas verdades incómodas. Honra a classe intelectual a que pertence, honra a academia sueca que a premiou.
Ainda não li nenhum livro dela. Vou lê-la sem mais demora.
Doris Lessing fixa as câmaras de frente. Não disfarça a idade, não esconde as marcas do tempo, desfia as memórias de uma longa existência que acompanhou grande parte do turbulento século XX – talvez o mais tumultuoso da História – que lhe serviu de matéria ficcional. Nasceu num país então chamado Pérsia – hoje o Irão dos aiatolás, onde os patrulheiros islâmicos detêm pares de namorados que ousam entrelaçar as mãos em público. Viveu largos anos na Rodésia do Sul – hoje o espectral Zimbábue desgovernado pelo demencial Robert Mugabe que se prepara para ser recebido com todas as honrarias e todas as mordomias em Lisboa. Viveu o melhor e o pior da História: viu, ouviu, leu, escreveu, continua a dar testemunho do que a rodeia. Percebe-se que a idade, para ela, pouco mais é do que uma data inscrita no bilhete de identidade.
Gostei das recentes declarações de Doris Lessing ao suplemento dominical do El País. Gostei de perceber que a autora galardoada com o Prémio Nobel 2007 não se mantém em silêncio perante as injustiças. Ouçamos o que ela diz sobre o Irão, a antiga Pérsia agora novamente mergulhada nas trevas medievais em matéria de costumes: “Odeio o Irão, odeio o governo iraniano, é um governo mau e cruel.” Ouçamos o que ela diz sobre o infortunado Zimbábue, a antiga Rodésia do Sul que chegou a ser o celeiro da África Austral: “Neste momento, as pessoas morrem de fome neste país que dava de comer a toda a região, onde havia cultivo de todo o género.” Cita uma amiga lá residente que se queixa de passar “uma semana inteira sem água, quatro dias sem electricidade”, da ausência dos alimentos mais básicos. “Não há pão, não há batatas...”
Passa-se fome no Zimbábue, país destruído pelo capricho de um déspota sem escrúpulos ainda tolerado pelas chancelarias ocidentais. As mulheres são cidadãs de segunda na detestável teocracia iraniana. Doris Lessing, ao contrário de alguns dos seus pares, sempre prontos a confraternizar com ditadores, não cala estas verdades incómodas. Honra a classe intelectual a que pertence, honra a academia sueca que a premiou.
Ainda não li nenhum livro dela. Vou lê-la sem mais demora.
Publicado no DN
Etiquetas: gente