segunda-feira, outubro 01, 2007

Fora de série (10º e último)


Em 1984, os alemães assistiram embasbacados na televisão à estreia do mais longo filme da história do cinema: «Heimat – Eine Deustche Cronik» tinha 940 minutos, repartidos em 11 episódios. Em 1992, o recorde seria batido: «Die Zweite Heimat» chegava aos 1.532 minutos de duração. A terceira e última parte, por vicissitudes várias, seria bem mais curta e estrearia com apenas seis episódios de 90 minutos.
Desde o primeiro episódio, Edgar Reitz conseguiu chocar a intelectualidade alemã por duas razões. A primeira quando optou por privilegiar o formato televisivo e só depois estrear no grande ecrã. A segunda, por recuperar um termo que ainda fervia de conotações e escarafunchava nas feridas pós-traumáticas do pós-guerra, as quais tinham tornado diversos vocábulos simplesmente «verbotten». Nem «Pátria» nem «Nação», Heimat é simultaneamente lugar e tempo, território e comunidade. É o lugar da infância, mas num significado só intuído quando já é tarde demais para entendê-lo, quando nos apercebemos da sua perda entre os acessos vaporosos da nossa nostálgica memória. Heimat é o Tempo e o Espaço, reunidos numa Terra do Nunca Mais.
As primeiras duas séries passaram entre nós, no segundo canal da RTP. Para mim, «retornado» e a cuja Heimat não mais regressaria (ou eu a ela) porque se perdera para sempre entre as polaroids e os filmes Super 8 da minha infância, o deslumbramento foi inevitável. Houve algo de essencial que me tocou, para além da beleza corpórea e etérea da cinematografia de Gernot Roll. As personagens não tinham apenas a sua própria vida por dentro, tinham também parte da nossa. Parte da minha.
Como escreveu Sigfrid Gauch: «O cineasta Edgar Reitz, de Morbach, em Hunsrück, deu fama mundial a este Estado. (…) Hunsrück como uma parte do mundo, como se fosse realmente um paradigma para o mundo, sendo compreendida dessa maneira em cerca de cinquenta países, onde foi mostrada». Nesta trilogia, o que Reitz nos diz é que a porta da sua casa e a porta da nossa podem não ter o mesmo código postal. Mas ambas ficam na mesma rua que a História percorre.

Um «muito obrigado» pela imagem ao Paixões e Desejos.

Etiquetas: