Povo que lavas no rio
As televisões e as rádios abriram ontem os microfones às opiniões do "povo" a propósito do lamentável caso Scolari. E, como seria de esperar, logo o dislate andou à solta. Atingindo níveis raramente registados mesmo neste género de programas que dão púlpito nacional à conversa de taberna. Um dos "populares" com direito a antena chamava ontem a Scolari um "imigrante arrogante, agressivo e mentiroso". Outro foi ao ponto de dizer que o seleccionador, "como imigrante, devia deixar o nosso país por decisão do ministro dos Negócios Estrangeiros".
Ia escutando isto, com um crescente sentimento de náusea, enquanto pensava como no futebol, à semelhança do que se passa na generalidade dos sectores, mantemos uma inveja atávica e puramente irracional em relação a todos os protagonistas de sucesso. Assim que estes protagonistas têm um momento difícil, cai-lhes em cima todo um batalhão de gente rancorosa e despeitada. E logo a mais reles xenofobia surge à tona, desmentindo os "brandos costumes" que nos servem de emblema.
Nestas alturas, envergonho-me de ser português. Envergonho-me deste "povo" que embandeirou em arco com os triunfos da selecção das quinas no Europeu de 2004 e no Mundial de 2006, e agora se apressa a exigir a deportação de Scolari, como se vivêssemos na Idade Média, enquanto mantém as bandeiras portuguesas - que ele tornou um símbolo de festa nacional - transformadas em farrapos na solidão das varandas.
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Ler também:
- O cantinho do hooligan. Mau feitio, de Francisco José Viegas, n' A Origem das Espécies
- Espanta espíritos, de Rui Castro, no Incontinentes Verbais
- Scolari: o fim, de Pedro Norton, na Geração de 60
- Vox populi, de Rui Bebiano, n' A Terceira Noite
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