domingo, setembro 23, 2007

Cinema Nostalgia (13)


Aquilo não era comigo, mas sabia que um dia teria, inevitavelmente, que ser como elas. Essa perspectiva fascinava-me e inquietava-me ao mesmo tempo. Ser mulher? Poder, enfim, andar de saltos na rua sem chinelar (como me acontecia quando andava por casa com os sapatos da minha mãe) era o máximo! Já a história dos beijos na boca.... afigurava-se-me um bocado nojenta e no entanto eu bem via que elas gostavam... Mistérios insondáveis que eu sabia jamais poder descortinar através dos meus pais, mas que de filme para filme eu ia descodificando...
De joelhos esfolados, invariavelmente sentada no chão, ainda não tinha idade nem paciência para ficar a olhá-las por muito tempo. Nessa época só as sondava por escassos minutos, para logo regressar à segurança das minhas brincadeiras de menina.
Mas fui crescendo. Do chão passei para o sofá e à medida que as cicatrizes iam desaparecendo dos meus joelhos ganhei, sei lá porquê, o hábito de traçar a perna. Alguns rostos já me eram familiares: Marilyn Monroe, Grace Kelly, Audrey Hepburn... mulheres lindas, de olhos estonteantes, bocas sensuais, perfis perfeitos. Alguma vez viria a ser como elas? Era óbvio que não, mas a sua beleza insuperável não me desencorajava nem ofendia. Era, pelo contrário, uma inspiração.
Passei a estudar-lhes os gestos e a guardar na memória momentos de puro encantamento, como o de Marilyn a sussurrar “Kiss” em Niagara, ou de Lauren Bacall, em Ter ou Não Ter a dizer com ar de provocação para o seu BoogieSabes assobiar, não sabes? É só juntar os lábios e soprar!” Conseguiria alguma vez atirar o fumo do meu cigarro para a cara de um rapaz com aquele estilo?
Às vezes gostava de esquecer-me que existia e vestir-lhes a pele. Mesmo depois dos filmes terminarem alimentava a fantasia de que os outros conseguiam, de alguma forma, revê-las em mim. Nessas ocasiões a voz saía-me levemente alterada, assim como as expressões do rosto e a linguagem corporal. Mais determinada se o filme era protagonizado por Jodie Foster ou Jane Fonda, mais doce se tinha acabado de ver Michelle Pfeiffer no ecrã...
O cinema, para mim, também foi isto. A possibilidade de aprender com as mulheres mais fascinantes do mundo. Se não tive aproveitamento garanto que a culpa não foi das mestras... tenho provas que as ilibam. Em filme.

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