sábado, setembro 15, 2007

Cinema Nostalgia (12)



O que terá acontecido a Karen Black?

Durante um certo período – um período demasiado longo, podem crer – todo o glamour parecia ter sido banido do cinema. Sei do que falo: fui vítima disso. As actrizes belas e vaporosas, que pareciam irreais e nos faziam sonhar, eram um símbolo do passado. Elizabeth Taylor e Natalie Wood, por quem estive estupidamente apaixonado, haviam deixado praticamente de filmar. E todas as outras a que justamente chamávamos estrelas tinham sumido sem deixar rasto. Quando me tornei espectador regular de cinema, no lugar das estrelas havia a “mulher comum” – último grito de guerra feminista contra a visão “estereotipada” da beleza feminina posta num pedestal.
Essa moda limitou-se afinal a substituir uns esterótipos por outros, bem menos estimulantes. A “mulher comum”, com uma absorvente carreira profissional e as preocupações de todas as mulheres, era personificada nos ecrãs por actrizes que mal nos fariam virar a cara num movimento de instintiva, irreflectida e patética admiração se as encontrássemos na rua. Actrizes cheias de talento mas desprovidas de glamour, como Diane Keaton, Mia Farrow, Sally Field, Meryl Streep. Actrizes que ocultavam os traços congénitos de beleza para surgirem na tela como epítomes da “classe trabalhadora” ou do radicalismo político, como Jane Fonda e Vanessa Redgrave. Actrizes que podiam ser iguais a qualquer mulher com quem nos cruzávamos num transporte público, como Karen Allen e Geneviève Bujold. Insuportáveis ruivas britânicas, como Samantha Eggar e Sarah Miles. Actrizes desprovidas de qualquer traço de beleza, como Karen Black, Liza Minnelli ou Shelley Duvall.
Acreditem: foram tempos pavorosos. Papei as estreias de todos os filmes de todas estas inenarráveis “mulheres comuns” e abominei a minha má sorte de espectador. Havia encanto no nariz de Barbra Streisand? Talvez não. Mas nessa era onde o romantismo havia sido praticamente varrido dos ecrãs por estar fora de moda até Barbra Streisand parecia esbanjar charme num filme ousadamente romântico como O Nosso Amor de Ontem (Sydney Pollack, 1973). Que, não por acaso, nos transportava aos anos 40.
Mero problema de geração, que me fazia olhar para as actrizes dos tempos dos meus pais e avós com um fascínio que só agora entendo devidamente. No período dos grandes estúdios, quando era uma “fábrica de sonhos” sem complexos de qualquer espécie, Hollywood mostrou ao mundo as melhores mulheres de sempre. Carole Lombard, Heddy Lamarr, Paulette Goddard, Olivia de Havilland, Ginger Rogers, Gene Tierney, Rita Hayworth, Ava Gardner, Ingrid Bergman, Joan Fontaine, Kim Novak, Audrey Hepburn, Cyd Charisse, Grace Kelly, Jane Russell, Alida Valli, Lauren Bacall, Shirley MacLaine, Jean Peters, Lee Remick, Marilyn Monroe. Que, não raras vezes, eram também excelentes actrizes – como podemos comprovar hoje melhor que nunca. Não admira que me tivesse tornado adepto fervoroso de filmes antigos: para ver “mulheres comuns” não era preciso ir ao cinema...

Até que um dia, como sucede a todas as modas, também esta mudou. O glamour deixou de ser pecado. O mundo cansou-se dos exageros feministas e as mulheres voltaram a surgir nos ecrãs irradiando beleza, sem recearem excomunhões políticas nem o discurso iracundo da sociologia de pacotilha que antes as proibia de agradar aos homens.
Foi com alívio que vi chegar a nova era. Demi Moore moldando barro n’ O Espírito do Amor. Michelle Pfeiffer subindo para um piano n’ Os Fabulosos Irmãos Baker. Meg Ryan a ser cortejada à moda antiga por Billy Crystal em Um Amor Inevitável. No topo dos cartazes passaram a figurar os nomes (e os rostos e os corpos) de Sharon Stone, Diane Lane, Nicole Kidman, Gwyneth Paltrow, Charlize Theron, Kate Winslet, Cameron Diaz, Salma Hayek, Catherine Zeta-Jones, Natalie Portman, Rachel Weisz. E – thank heaven for little girlsScarlett Johansson. Tão belas como as deusas de outrora.
Às vezes interrogo-me o que será feito de Karen Black. E de Karen Allen. Mas, com toda a franqueza, quero lá saber...

Etiquetas: