Palavras, leva-as o vento
Quando menos esperamos, o significado de uma velha e batida palavra ganha conotações malditas e nuances perversas, sendo logo proscrita do linguajar oficial ou engagé. Ao contrário do imprudente João Villalobos, dificilmente eu cometeria o pecado de chamar “criadas” às empregadas dos meus avós. Mesmo que de facto tivessem sido criadas naquelas casas e de lá saído verdadeiramente formadas para uma vida melhor.
A minha filha pequena, que está a dar os primeiros passos nesta existência complicada, depois de uma saudável aula de cidadania e solidariedade (nunca por nunca dizer “Caridade” - s. f., amor ao próximo; benevolência; bondade; compaixão; beneficência) já me veio dizer que verdadeiramente “não há pretos, pai”. Todos diferentes todos iguais pensei eu. E vejo com bons olhos todo o reforço da escola laica à nossa educação cristã, o importante é a pessoa, não as suas circunstâncias. Mas logo a miúda me informou que “eles não são pretos, são castanhos, pai; e os brancos também não são brancos, são cor-de-rosa, pai”. Fiquei na dúvida se aquele preciosismo cromático cairá bem socialmente. Eu, por mim, se tivesse ambições políticas ou tivesse que escrever “a sério” um artigo sério sobre negros, escolheria a palavra “africanos”. Omite-se a cor para lhe tirar importância... e amenizar os nossos complexos de culpa coloniais. Para mais, nesta fase da minha vida não tenho nenhum amigo ou colega “de cor”, o que se pode revelar uma enorme fragilidade.
É como o "doente" num hospital que afinal se chama “Utente”. Corrigiram-me tantas vezes quando por lá andei, às voltas com o meu fígado. “Doente”, não: o estatuto de “Utente” tem muito mais dignidade e é o melhor placebo para qualquer terrível maleita. E evita que alguém de má fé nos aponte o dedo, e nos mande para o... hospital.
De resto, é o que eu sempre disse: "o verdadeiro cego é aquele que não quer ver". Sei-o há muito tempo, mas percebo agora que os outros, os cegos involuntários, são apenas “invisuais”. Ou melhor, “Pessoas Portadoras de Deficiência”, não vá a boca fugir para a verdade a algum malandro que o designe de forma indecorosa.
Daqui por uns anos já não haverá mais “velhos”, aquele incómodo e degradado Ser que passa o dia a gastar a pedra nos nossos jardins a jogar dominó ou a dar milho aos pombos. No futuro seremos todos respeitáveis e dinâmicos “Seniores” cheios de dignidade e de PPRs. Velhos nunca, que é aí que a morte se esconde.
É nesta estonteante espiral reformadora da realidade que o Governo Sócrates em boa hora extinguiu a Comissão Para a Igualdade e Para os Direitos das Mulheres e instituiu a revolucionária Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. Eu por mim nunca mais vou “fazer género” com qualquer um... Promiscuidades é que não!
Estranhas modernices estas, quando se recusa a mentira mas tolera-se a "inverdade", pecadilho próprio de políticos e de outros inimputáveis. E da IVG que não oculta a tragédia do aborto nem quero mais falar, para não azedar esta crónica.
Com esta sempre renovada linguagem se reinventam tabus e o regime promove a sua semântica instrumental, anódina e igualitária, à qual a implacável realidade se mantém totalmente indiferente.
A minha filha pequena, que está a dar os primeiros passos nesta existência complicada, depois de uma saudável aula de cidadania e solidariedade (nunca por nunca dizer “Caridade” - s. f., amor ao próximo; benevolência; bondade; compaixão; beneficência) já me veio dizer que verdadeiramente “não há pretos, pai”. Todos diferentes todos iguais pensei eu. E vejo com bons olhos todo o reforço da escola laica à nossa educação cristã, o importante é a pessoa, não as suas circunstâncias. Mas logo a miúda me informou que “eles não são pretos, são castanhos, pai; e os brancos também não são brancos, são cor-de-rosa, pai”. Fiquei na dúvida se aquele preciosismo cromático cairá bem socialmente. Eu, por mim, se tivesse ambições políticas ou tivesse que escrever “a sério” um artigo sério sobre negros, escolheria a palavra “africanos”. Omite-se a cor para lhe tirar importância... e amenizar os nossos complexos de culpa coloniais. Para mais, nesta fase da minha vida não tenho nenhum amigo ou colega “de cor”, o que se pode revelar uma enorme fragilidade.
É como o "doente" num hospital que afinal se chama “Utente”. Corrigiram-me tantas vezes quando por lá andei, às voltas com o meu fígado. “Doente”, não: o estatuto de “Utente” tem muito mais dignidade e é o melhor placebo para qualquer terrível maleita. E evita que alguém de má fé nos aponte o dedo, e nos mande para o... hospital.
De resto, é o que eu sempre disse: "o verdadeiro cego é aquele que não quer ver". Sei-o há muito tempo, mas percebo agora que os outros, os cegos involuntários, são apenas “invisuais”. Ou melhor, “Pessoas Portadoras de Deficiência”, não vá a boca fugir para a verdade a algum malandro que o designe de forma indecorosa.
Daqui por uns anos já não haverá mais “velhos”, aquele incómodo e degradado Ser que passa o dia a gastar a pedra nos nossos jardins a jogar dominó ou a dar milho aos pombos. No futuro seremos todos respeitáveis e dinâmicos “Seniores” cheios de dignidade e de PPRs. Velhos nunca, que é aí que a morte se esconde.
É nesta estonteante espiral reformadora da realidade que o Governo Sócrates em boa hora extinguiu a Comissão Para a Igualdade e Para os Direitos das Mulheres e instituiu a revolucionária Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. Eu por mim nunca mais vou “fazer género” com qualquer um... Promiscuidades é que não!
Estranhas modernices estas, quando se recusa a mentira mas tolera-se a "inverdade", pecadilho próprio de políticos e de outros inimputáveis. E da IVG que não oculta a tragédia do aborto nem quero mais falar, para não azedar esta crónica.
Com esta sempre renovada linguagem se reinventam tabus e o regime promove a sua semântica instrumental, anódina e igualitária, à qual a implacável realidade se mantém totalmente indiferente.
Etiquetas: Crónicas, Fracturas expostas