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Quando me falam em “grandes carreiras”, lembro-me logo daquela que foi a principal da minha vida. Refiro-me à do
autocarro nº 9, de Campo d’ Ourique ao Bairro Madre de Deus e vice versa. Quando os meus pais se instalaram em Campo d’ Ourique, tinha eu 3 anos, foi inicialmente num prédio de gaveto a dar para a Manuel da Maia, por onde aqueles monstros verdes de dois andares iniciavam o seu percurso para a Avenida da Liberdade, Baixa, e enfim, para mais longe onde a minha imaginação não chegava ainda. Nas minhas memórias mais remotas, lembro-me de, com o meu irmão, nos sentarmos divertidos à janela daquele 1º andar a esperar a passagem dos autocarros mesmo ali em frente onde faziam a primeira paragem do percurso. O seu ronco era inconfundível. Na verdade, o fascínio estava na publicidade disposta entre as duas fileiras de janelas, e o anúncio do chocolate em pó Toddy era para nós o mais atractivo. Enquanto nos entretínhamos assim, não fazíamos grandes estragos.
Um dos meus grandes e secretos prazeres era que o exemplar do autocarro que me saísse em sorte tivesse porta atrás, para poder contemplar emocionado a lancinante velocidade do asfalto, logo ali a fugir para longe, tão depressa, tão depressa. Ou então, menos perigoso, era a felicidade de encontrar no piso de cima o banco da frente à esquerda livre, de modo que pudesse imaginar – discretamente para não parecer maluco – que eu era o omnipotente condutor do veículo, ali bem sentado aos comandos.
O facto de ter tido os meus avós maternos a viver na Avenida da Liberdade, estudado na Escola nº 6 da Bela Vista, no Liceu Pedro Nunes e namorado alguns anos lá para os lados de Sta. Apolónia, definitivamente deu à carreira nº 9 da Carris um grande protagonismo na minha vida. Com a passagem dos anos e com o uso, conheci as nuances dos potentes veículos
AEC destinados
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àquele percurso. Às tantas eram nada menos que uma extensão do meu território, do qual conhecia todos os cheiros, ruídos e... perspectivas.
De resto, desse mito a que hoje em dia se chama “carreira”, a que eu chamo “Vida”, e que é a minha verdadeira aposta, tudo vai bem e recomenda-se, muito obrigado.