domingo, junho 10, 2007

Poesias ineditas

Desse dia sobrou para sempre a memória da minha arrogância.
- Queres comprar o quê?
Tinha 13 anos e a consciência de que aquele era um evento para adultos. Para adultos, não. Para - pensava eu - intelectuais. Por isso perfilei-me antes de começar a percorrer com os meus pais as filas de barraquinhas onde se apinhava a inteligentzia lisboeta. Por esses tempos não era muito frequente sair à noite, o que aumentava ainda mais a importância da coisa. Ali estava eu, no limiar da minha adolescência, misturada com aquela ilustre turba, às 10h da noite, enquanto a maioria dos meus amiguinhos provavelmente a essa hora já em casa, de pijama, a ver televisão, ou na melhor das hipóteses a ler um livro dos cinco.
- Afinal o que queres comprar?
A minha resposta ficou no anedotário da família.
- Quero comprar as "Poesias Ineditas 1930-1935" de Fernando Pessoa.
- As poesias quê?
É verdade, nesse tempo já lia o poeta, não por verdadeiro mérito meu, mas porque me havia apaixonado por um puto que também queria ser intelectual quando fosse grande e que, sabe-se lá porquê, naquela idade já sabia de cor alguns poemas do Pessoa.
Ainda hoje, se digo "inéditas" à frente da minha mãe, ela corrige-me com um sorriso cúmplice: "Inéditas, não! Ineditas."

E foi assim que fui salva in extremis da suprema humilhação. No pavilhão da Ática lá pedi, correctamente e cheia de orgulho, o meu primeiro livro de Pessoa. A estragar a solenidade do momento só mesmo o olhar divertido dos meus pais, que eu evitei até sair da Feira. A partir desse ano fiz questão de lá voltar sempre. É um dos meus rituais. Adoro ver aquelas casinhas no Parque, gosto de me cansar a subi-lo e a descê-lo perdida no meio dos títulos e a fazer contas ao que já gastei. E quando vejo alguns chatos perorar contra a localização da Feira - porque o Parque é ventoso, e devia ser em espaço fechado, e patati, patatá - apetece-me logo meter aquelas pecinhas coloridas de lego debaixo das saias, agarrar numa caçadeira e corrê-los a tiro.

Desculpem, mas se algum dia mudarem a Feira do Parque será para mim uma questão pessoal! É que por razões que não sei explicar preciso dela ali, a confirmar o ritmo das estações e a minha geografia. Para o ano e para o outro e o outro e sempre.