terça-feira, fevereiro 06, 2007

O ralhete

O cansaço já tomava conta de mim. Sobrevoávamos a Sibéria Ocidental, após dias de uma cansativa viagem à China em que aconteceram tantos episódios noticiosos, e eu dormitava, quando fui subitamente despertado pelo som da queda aparatosa de um corpo. Olhei e vi o José Sócrates, em fato treino, estatelado no chão ao lado da minha cadeira. Estava a fazer o seu jogging no corredor do avião adormecido e tinha tropeçado no pé que, inadvertidamente, eu tinha deixado para fora, justamente no trajecto da corrida do nosso atlético primeiro-ministro.
“Zé Nero, seu jornaleiro, sempre a passar-me rasteiras. Primeiro o Pinho, depois o Laurentino, agora isto. Julgas que eu não sei o que andas a escrever sobre mim no Corta-Fitas? E os contratos que assinámos com chineses, as pontes que estabelecemos, a receptividade que houve à ideia de sermos a calçadeira deles em África? Sobre os objectivos plenamente alcançados nesta visita, nem uma linha. Nunca mais te convido para nenhuma das minhas comitivas.”. Sócrates crescia para mim, vermelho de indignação.
Ainda tentei defender-me: “Não, não, eu sou o primeiro a louvar a tua visão estratégica nesta visita ao gigante asiático, ao facto de te estares nas tintas para se é ou não uma democracia. Não é como o outro, o Cavaco, que agora tem a mania que...”
Mas não adiantou, Sócrates tinha ido buscar uma camisola do Cristiano Ronaldo (a única que tinha sobrado das 40 que levara e que generosamente tinha distribuído pelos chineses) e agora voltava, brandindo-a ameaçadoramente . “Não me venhas dar graxa à custa do Prof. Cavaco, que, mais do que um presidente estratégico, tem sido um tio para mim. Sobre a camisola do Cristiano, de que os chineses tanto gostam, falaste? Falaste, hein, ó jornaleiro?” Assustado com a veemência das palavras, tinha-me levantado e ia recuando no corredor, mas pareceu-me que o primeiro ministro me queria fazer mal com a camisola do menino d’ouro do nosso futebol e achei melhor correr para casa de banho. Apanhado de surpresa pela minha fuga, Sócrates ainda começou a perseguir-me, com aquela sinistra peça de vestuário desportivo na mão, mas eu fui mais rápido e consegui refugiar-me no WC.
Após dar alguns murros na porta, já rodeado pelos assessores, que lhe pediam calma, o animal feroz lá desistiu, não sem antes gritar:. “Escrevam coisas positivas sobre mim”. Mais sereno, acendi um charuto Major Valentín Torpedo Nº5, que reservo para momentos de grande stress como este, e lá me acalmei um bocado.
Só que então rebentaram as sirenes, fui retirado do conforto do WC por dois seguranças trogloditas, que esmagaram o meu querido charuto no chão sem contemplações, e me amarram e amordaçaram até aterrarmos em Lisboa.
* José Nero Fontão está a ponderar pedir protecção ao Dalai Lama

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