O filho do pai
Passeava eu num jardim, com pagodes e tudo, à espera de ver o jogging do Sócrates, num dos intervalos desta cansativa viagem à China, quando surgiu aquele jovem com ar de marciano. Tinha o cabelo espetado, em forma de leque, e uns óculos descomunais, escuros, vagamente escondendo os seus olhos amendoados.
Sentou-se no meu banco de jardim, o que não achei surpreendente, pois muitas pessoas sentem-se espontaneamente atraídas pela minha alta testa de pensador, que tem vindo a ser acentuada por uma teimosa calvície precoce.
“Boa tarde”, disse ele.
“Boa tarde”, respondi.
Foi assim o início da nossa interessante conversa.
Não sei como, a discussão desaguou nas ambições nucleares da Coreia do Norte (acho que foi o meu interlocutor que levantou a questão). O desconhecido elaborou o assunto, explicou-me que a única intenção de Pyongyang era a de chatear toda a gente, o que não lhe parecia assim tão grave.
Achei estranho que um chinês estivesse tão bem informado sobre a Coreia do Norte e manifestei a minha estranheza:
“Mas o senhor, um chinês, estar tão interessado na Coreia do Norte...”
“Está enganado, não sou chinês. Eu sou português!”, esclareceu o estranho, que tinha inconfundíveis traços asiáticos.
“É engraçado”, esclareci, “Também sou português. Chamo-me José Nero Fontão, tenho um baixo salário e faço parte da comitiva do primeiro-ministro José Sócrates, que acaba de passar ali ao fundo em fato de treino”.
Ele já tinha ouvido falar dos dois: Sócrates, o filósofo, Nero, o imperador.
“Não”, esclareci ainda. “Nero Fontão, jornalista; José Sócrates, primeiro-ministro do Portugal Moderno”.
Em resumo, o desconhecido asiático que reclamava ser português e sabia tanta coisa sobre a Coreia do Norte, não conhecia coisas básicas sobre o meu país, nomeadamente quem eu era . Mas fui diplomático:
“Não seja mentiroso, o senhor não é português!”.
“Sou sim”, replicou ele. “Chamo-me Quim e o meu pai, que também se chama Quim, é uma pessoa importante”.
Mostrou-me de imediato um inconfundível passaporte português. Só tinha um erro: o nome Quim estava escrito com K. Mais depressa se apanha um mentiroso do que um norte-coreano coxo.
A China tem, de facto, umas estranhíssimas figuras nos seus belíssimos jardins.
* José Nero Fontão pensa que Pyongyang é uma variante coreana do ping pong
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