Aborto: novos consensos sociais
A campanha que agora terminou teve vários aspectos positivos. Foi desta vez notória a subalternização dos partidos políticos e a emergência de grupos de cidadãos com genuína representatividade social. Registou-se uma fortíssima participação de jovens, de um lado e de outro, desmentindo os absurdos lugares-comuns que por aí se ouvem a propósito do alegado desinteresse das novíssimas gerações pelo destino do País. Confirmou-se o salutar princípio da separação entre os domínios de César e de Deus, que é um dos pilares da civilização cristã, deixando claro que o debate público do aborto não era de natureza religiosa. E firmaram-se novos consensos nacionais numa matéria tão propícia a extremismos.
Consensos pelo menos em quatro domínios:
Aborto clandestino. Tornou-se evidente que a sociedade portuguesa não pode continuar a contemporizar com a propagação do aborto clandestino, um drama social somado ao drama moral.
Prisões. Consensual foi igualmente a necessidade de manter as mulheres que praticam aborto, num prazo razoável de gravidez, fora da alçada do Código Penal. É certo que nenhuma delas está presa. É também certo que ninguém pretende prendê-las.
Vida humana. No referendo de 1998 não faltou quem pusesse em causa a existência de vida humana às dez semanas de gestação. Face aos últimos desenvolvimentos da medicina, este cepticismo é hoje ainda mais destituído de sentido: ninguém ignora que existe ali um ser vivo, também susceptível de possuir direitos.
Médicos. "Guardarei respeito absoluto pela vida desde o seu começo", determina o código ético dos médicos. Muitos deles recusar-se-ão a praticar abortos de acordo com o novo quadro legal. Ninguém lhes nega o direito à objecção de consciência: eis outro consenso social que emerge deste referendo.
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