Sensibilidade e bom senso
A entrevista de Cavaco Silva à SIC provocou efeitos tremendos no interior do PSD e também noutros sectores da oposição. Deixou desgostosos muitos daqueles que nele votaram para Presidente da República nas eleições de Janeiro deste ano. Em relação ao PSD, o problema maior é que depois da entrevista nada será como dantes. Se uns tantos barões e ajudantes de campo andavam entretidos a discutir pessoas, nomes, caras, alturas e feitios, a partir de agora terão que fazer muito mais. Porque ficaram confrontados com eles próprios, com a exiguidade da sua estratégia, com a falta de soluções e propostas.
O PSD, depois do que disse Cavaco Silva sobre a cooperação estratégica com o Governo, e com o grau de compromisso que o PR revelou querer ter nesta fase com o primeiro-ministro, tem que fazer mais. Terá que ser mais profundo, enérgico, constante e consequente. Terá que, no fundo, reaprender a fazer oposição. E esse será ou não o tirocínio de Marques Mendes.
Quanto aos que se mostram muito deprimidos com a actuação do Presidente e que reclamam ser o seu "eleitorado", esses terão que esperar. Afinal, Cavaco não está a fazer hoje nada a mais ou a menos do que disse que iria fazer em plena campanha eleitoral. A seu tempo, o PR irá dar sinais importantes ao seu eleitorado natural. Hoje, por exemplo, ficámos a saber que Abel Mateus foi chamado algumas vezes a Belém e que lhe foi pedida celeridade no parecer em relação às OPAs (Sonae sobre a PT e, imagino que também, do BCP sobre o BPI). É a magistratura de influência a funcionar.
Aqui chegados, vamos à parte escondida da entrevista. É que para mim, muito mais de que obrigar a um reposicionamento do PSD, a entrevista representa um perigo real para José Sócrates. E isso ainda ninguém quis perceber. Por essa razão Sócrates não falou e não irá falar sobre o que disse Cavaco a Maria João Avillez. Mesmo ontem, perante os deputados do PS na primeira reunião pós-congresso, Sócrates foi cauteloso. E prudente. Disse apenas que sabia que alguns comentadores e políticos estavam a reconhecer que o Governo é "reformista". Deixou o PR de fora.
Pudera. Sócrates sabe, melhor do que ninguém, que a cooperação estratégica e aquilo que muitos dizem ser uma "colagem do discurso" do PR ao do PM representa uma responsabilidade. Um caução de confiança. Porque, caso as reformas não se concretizem até 2009, ou perante um deslize evidente, Sócrates vai ter a infelicidade de ter que reconhecer que, mesmo com o suporte presidencial que outros governos não tiveram, ele não foi capaz. E uma coisa será também evidente. A um vacilar do Governo ou do seu primeiro-ministro, Cavaco Silva não irá mandar umas "bocas" ou dizer que há mais vida para além das reformas, irá actuar.