Mais que uma capa de revista
"There is a palpably sour mood in France these days. As Jacques Chirac enters the twilight months of his 11th and (surely) final year as president, he is the most unpopular occupant of the Elysée Palace in the fifth republic's history. The government of his prime minister, Dominique de Villepin, has been paralysed ever since street protests forced it to withdraw a modest labour-market reform in the spring..." - The Economist
A capa da The Economist de 28 de Outubro deixou muita gente estupefacta, mas a verdade é que não podia ser mais relevante a ideia de que a França precisa de uma Dama de Ferro. A questão está em quem será essa dama? A "socialista" Ségolène Royal não será com certeza, pois grande parte do seu discurso político anda entre o securitanismo e o populismo à Nicolas Sarkozy (que, verdade seja dita, é muito mais genuíno) e a ânsia por se reclamar herdeira ideológica de François Mitterrand. Primeiro andou a apimentar os media num período a que chamou de "diálogo partilhado", a seguir mostrou-se muito social-cristã ao renegar o casamento entre homossexuais (se bem que favorável às uniões), para depois se revelar muito liberal-responsável em termos económicos com o "bon deal". O pior veio recentemente, com aquilo que tem alimentado páginas e páginas na imprensa francesa: os "jurys citoyens". Diz a senhora, que alguém está a vender tão bem como Edson Athayde vendeu Guterres em 1995 (a paixão dela, note-se, também é a educação), que a iniciativa serve para envolver o cidadão comum no processo político. Mais que democracia participativa, a ideia cheira a democracia populista.
Para além da companheira do líder do PSF, François Hollande, há Michèle Alliot-Marie, ministra da Defesa, e antiga eurodeputada e ex-presidente da câmara de Saint Jean de Luz (onde passei duas vezes o fim de ano, uma terra maravilhosa). A primeira mulher a liderar um grande partido em França (o extinto RPR), Alliot-Marie tem gosto pela diplomacia, conquistou o meio militar e tem alguma substância a mais que a sua eventual rival, Ségolène. Acontece, porém, que Alliot-Marie é chiracquiana e o tabu sobre a sua candidatura (a ser desfeito em Janeiro de 2007) pode querer significar que o ainda Presidente está a tentar barrar Sarkozy, com o lançamento de mais uma candidatura neo-gaullista.
A manobra é muito perigosa, pois já em 1981 Jacques Chirac ensaiou-a com os resultados que se conhecem: Valéry Giscard d'Estaing perdeu para "a raposa", Mitterrand. Só que desta vez pode ser pior. Uma divisão à direita entre Alliot-Marie e Sarkozy pode fazer passar Le Pen a uma segunda volta (contra Ségolène), como sucedeu com a esquerda nas últimas presidenciais. É por isso que a direita francesa terá que escolher, se possível antes de 2007, em qual cavalo aposta para combater Ségolène. A escolha não é fácil. Michèle Alliot-Marie parece-se mais com o ideal da Dama de Ferro que a França precisa, mas a mão pesada do populista Sarkozy continua a liderar todas as sondagens. Para ganhar a corrida dentro da UMP, ela terá de se livrar da sombra do gaffeur e reclamar a herança de De Gaulle. E aí teremos uma luta curiosa entre a suposta herdeira de Mitterrand e a herdeira natural (muito mais que Sarkozy) do gaullismo. Veremos se se irá manter a máxima de Malraux: "Tout le monde a été, est ou sera gaulliste"...