Portas e o regresso à equidistância
Vi e ouvi ontem Marcelo Rebelo de Sousa defender na RTP1 três teses sobre o regresso da dupla Paulo Portas-Luís Nobre Guedes à luta pelo controle do CDS/PP e confesso que a última é a que faz mais sentido, embora com nuances muito interessantes de seguir. A última tese de Marcelo, se bem entendi, é a de que Portas (ou Guedes) quer voltar o mais próximo possível das eleições de 2009 com um discurso que o possa pôr em condições de ser Governo com o PS, caso este partido não consiga atingir uma segunda maioria absoluta com José Sócrates.
A verdade é que a tese pode ter surpreendido muitos, mas não é totalmente descabida. É por isso que Portas esteve calado no último debate mensal com o primeiro-ministro, numa altura em que seria de esperar que a sua voz se fizesse ouvir, dentro ou fora do plenário contra uma reforma da Segurança Social num sentido contrário àquele que defendeu (se bem que ainda ensaiou uma Lei de Bases) nos últimos anos. Não era ele o grande defensor da equiparação prograssiva das pensões mínimas ao salário mínimo? Não era ele o grande paladino da introdução de um sistema misto? Muito antes do PSD sonhar, sequer, com o assunto? Portas esteve calado, como tem estado sempre. Nobre Guedes, aqui e ali, e antes do silêncio por causa do "caso dos sobreiros", vinha proclamando a sua fé quase de "homem de esquerda". Estava a pôr o discurso a render.
Salta à evidência que se Portas, ele próprio ou por interposta pessoa, vier a fazer uma campanha eleitoral a partir de 2008 que lhe permita não beliscar excessivamente o PS, estará em óptimas condições para aspirar a ser Governo com Sócrates. Deve ser por essas e por outras que há meses me dizia um amigo muito bem informado que o ex-líder do CDS/PP e o primeiro-ministro mantinham contactos regulares e canais de informação. Tudo é possível. Até nem é preciso chegar ao ponto do que disse Marcelo, qualquer coisa deste género: "Ele manda Nobre Guedes para perder e aparece depois". Quem não se lembra do debate Durão-Portas na SIC em 2002, com acusações mútuas de "maoísmo retraído" e de "extrema-direita disfarçada"? Depois disso, fizeram o acordo de Governo em Março desse ano, que me dizem até que foi sendo negociado em plena campanha, portanto com os insultos pelo meio. Em política, tudo é possível.
O outro lado dessa tese, de que Marcelo não falou (mas de que falará, estou certo), é que ela representa, na prática e se for mal explicada ou digerida, um regresso à tese da equidistância de Diogo Freitas do Amaral, que deixou o partido de rastos, com um "grupo do táxi" no Parlamento (quatro deputados apenas). Ainda é cedo para vislumbrar se isso irá acontecer, até porque vem aí a nova Lei Eleitoral, que, se incluir a redução do número de deputados, poderá atirar o CDS para a marginalidade. E aí quem estará a postos para ser a muleta será... o PSD de Marques Mendes.
Entretanto, deixo-vos com uma "pérola" tirada do penúltimo artigo de Portas no Sol, aparentemente sobre Ataturk, mas com este recadinho pelo meio: "Ataturk respondeu como José Sócrates não desdenharia e eu idem: 'esta reforma ou se faz em três meses ou não se faz'." Ora aí está Portas a elogiar o ritmo das reformas do actual primeiro-ministro. Depois não digam que não avisei...