Jornais em tempo de mudança (III)
Na minha opinião de leitor observador comum, a actual crise da imprensa “tradicional” e “de referência”, tão debatida, dá-se, não tanto ao nível da sua forma e conteúdo, mas muito mais por causa do caos reinante na definição e distribuição dos conteúdos pelos suportes “tecnológicos”. Mas irei opinar sobre as duas faces da mesma moeda, começando pelos conteúdos.
No que diz respeito aos chamados jornais de referência, concordo com Fernanda Câncio (!), do DN, que numa crónica recente recusou a desesperada procura do público como saída da “crise”. Também me parece que não vale a pena tentar conquistar um público que não gosta de ler, disputando-o aos meios de comunicação audiovisual. Ambicionar a conquista de todos os nichos de mercado revelar-se-á um erro, por serem, em geral, inconciliáveis e de distintas exigências. Mas essa tentação persiste muitas vezes em manchetes duvidosas dos nossos jornais de referência. A primeira página e as manchetes serão sempre um factor crítico na afirmação de um qualquer jornal.
Concordo também com Pedro Correia, que defende uma alteração drástica do estilo de escrita: “não há mais lugar para a prosa fria e distante. Há que estabelecer efectivos laços de cumplicidade com o leitor. Num estilo personalizado, empático, afectivo”. Considero utópico e irritantemente anódino o jornalista “pretensamente” ausente. Porque não assumir-se enquadrado no terreno da sua pesquisa?
Além disso, e em atenção a um mercado tão pequeno como o nosso, seria bom que as linhas editoriais dos nossos jornais se definissem politicamente, como é comum nas mais antigas democracias ocidentais. Dá-me ideia que estão todos a escrever para o mesmo espectro social e ideológico, o enorme “Centrão”. E como, na verdade, não há “imparcialidade” ou independência totais, essa opção é equívoca.
Pessoalmente, gostava de ter um diário claramente posicionado no “centro-direita”, onde encontraria claramente as minhas referências ideológicas, e outro que fosse definitivamente de “centro-esquerda”. Uma vez por outra, até compraria os dois.
Ainda no que se refere aos conteúdos, apesar de ser reconhecida uma constante perda de público tradicional, é visível que nada se faz pelo “público do futuro”: as crianças. Nenhum dos jornais diários ou semanários (à excepção dos encartes de fim de semana do Diário de Notícias e do Público) reserva um espaço, pequeno que seja, para os mais pequenos, com BD, jogos e animação própria para a faixa etária dos 6 aos 12 anos. É um erro fatal, quando sabemos de uma grave contingência dos leitores e do público em geral: eles envelhecem e morrem! É preciso investir sempre nos futuros públicos. É verdade para o turismo, é verdade para a indústria automóvel e é verdade para os jornais. Pela parte que me toca, que bom destino seria dado a um pequeno destacável infanto-juvenil. Mas pronto, à falta de alternativa, os miúdos viram-se exclusivamente para a Internet. E aqui é que, quanto a mim, se gera o caos e surge a crise.