sábado, maio 13, 2006

Uma lição de jornalismo (2)

“Toda a gente sabe que ‘não confirmo nem desminto’ significa ‘como é que este tipo soube?’; que ‘o assunto está a ser estudado’ significa ‘não faço a menor ideia do que se trata’; que ‘ganhe o melhor’ significa ‘precisamos de ganhar, nem que tenhamos de oferecer um casaco de peles à mulher do árbitro’; que ‘o povo português, etc.’ significa ‘votem em mim’; que ‘o senhor director não está’ significa ‘o sr. director está mas não está para o aturar’; que ‘os altos interesses nacionais’ significa ‘convém-me que’; que ‘reduzir o peso do sector público’ significa ‘passar a patacos as EP’s que dão lucro e fazer os contribuintes pagar os prejuízos das outras’; que ‘competitividade’ significa ‘salários baixos’; que ‘flexibilidade das leis laborais’ significa ‘despedimentos fáceis’; que ‘competência’ significa ‘é do meu partido’, que ‘o árbitro roubou-nos um penálti’ significa ‘perdemos porque jogámos pior’; que ‘grande arbitragem’ significa ‘fomos beneficiados pelo árbitro’; que ‘estou muito contente por vir cantar a Lisboa’ significa ‘saquei uma boa maquia a estes pategos’, que ‘o Porto é a capital do trabalho’ significa ‘preciso dos votos daqueles parolos’; que ‘não tenho nada a declarar’ significa ‘disse-me um chofer de táxi’; que ‘observadores são de opinião que’ significa ‘foi-me encomendado que espalhasse que’; que ‘isto é off the record’ significa ‘contem tudo mas não digam que fui eu que disse’, e por aí adiante.”
(Manuel António Pina, Crónica Jornalística - Século XX, Círculo de Leitores, 2004)