Um festival pós-moderno (crónica)
Os intelectuais fazem mal em desprezar essa manifestação de cultura popular chamada Eurofestival da canção, porque ela nos diz alguma coisa sobre as tendências da Europa e um pouco sobre o futuro.
A língua de trabalho é o inglês. O método democrático, uma fantasia, pois existe o que parece ser um referendo europeu, mas ele funciona com grupos de votos em alguns países e apoios regionais bem evidentes. Apesar de tudo, o televoto sempre será melhor do que a votação por oligarquias e comités, como acontecia no passado.
O que mais surpreende é a estética. As canções são pós-modernas, de música minimal, letras inexistentes, ritmos frenéticos, imitações retro dos anos 70 ou plágios (citações) de receitas de êxito. Enfim, a globalização,
Há também paródias, como é o caso da canção lituana (uma das seis que vi), fantástica metáfora da ordem pós-comunista: a coreografia mostrava os cantores, semelhantes a comissários soviéticos, numa espécie de marcha que, de repente, se transformava em dança alucinante.
O Eurofestival conta, no fundo, a história da convergência de políticas que governa o continente. Todos dependem de todos, portanto, todos se imitam, todos experimentam um toque subtil de diferença que lhes dê uma vantagem. Quero dizer que, para triunfar, uma canção deve seguir determinadas regras, tal como fazem os governos europeus, cada vez mais limitados na escolha das políticas internas (é evidente que a esquerda e a direita já não governam como tal, mas sim de acordo com ciclos políticos cada vez mais sincronizados). Daí o mimetismo. Mas também parece evidente que isto não chega. Só ganha quem parecer inovador.
A Europa é diversidade. E triunfa o kitsch e sai de cena o sentimental.
E, claro, há sempre o talento. Quem é que pode ser contra o alargamento da UE quando se vê a canção estónia? Quanto talento desperdiçado!