O estado das coisas
Foi com extremo espanto que assisti ontem a infinitos debates na televisão sobre os jogadores que não tinham sido escolhidos para a selecção nacional de futebol. Alguém dizia que a lista de convocados provocara “uma crise”, como se a nação estivesse em perigo. Pensei que o Corta-fitas não ia na onda, mas o assunto acabou por surgir também aqui. Foi pena.
Acho a discussão absurda, pois para alguém entrar, outro deve sair. Alguém está disposto a trocar Quaresma por Cristiano Ronaldo ou Figo? O argumento dos que criticam Scolari é a excelente temporada dos jogadores excluídos. Embora toda a gente saiba e diga que o campeonato nacional é uma farsa e uma coisa medíocre.
Não percebo nada de futebol e, sinceramente, estou-me nas tintas. Mas acho que a histeria em torno do assunto ilustra os sérios problemas que a comunicação social hoje enfrenta. Já dei o exemplo da tal “crise” provocada por Scolari. Mas podia dar outros exemplos que vi ontem na televisão, sem conseguir evitar uma náusea: um dos jogadores que não foi convocado vê-se cercado pelos jornalistas; alguém lhe pergunta se “ser do FC Porto dificulta ser convocado” (uma pergunta com resposta incluída); o rapaz começa por dizer “não”, mas há uma reacção qualquer do outro lado e ele hesita, suspeitando talvez que essa resposta não foi do agrado dos interrogadores; depois, diz “talvez tenha razão”; e este talvez é transformado em “fulano diz que ser do Porto dificulta entrar na selecção”, embora haja dois jogadores desse clube na equipa (e não admira que sejam poucos, pois o FCP tem sobretudo jogadores brasileiros, com duas estrelas argentinas).
É melhor que os jornalistas comecem a discutir isto, o ponto a que isto chegou.