O agente secreto (I)
Isto de ser agente secreto não é fácil. Vejam por exemplo o meu mais recente caso. O director ordenou-me: “Veja lá, ò Guilherme Raposo, porque carga de água é que os portugueses são monotemáticos”. Claro, o director pediu urgência nas minhas diligências. Quase caí na tentação de perguntar o que significava monotemático, mas deduzi que teria a ver com a ansiedade do status e evitei fazer a pergunta.
É difícil trabalhar numa agência tão secreta, tão secreta, que a própria tutela desconhece a sua existência. Nós somos da agência de informações que controla a agência de informações que vigia a agência de informações. É esse o nosso trabalho, mas dão-nos os serviços mais difíceis. Como era o caso.
Consultei trinta e tal especialistas e, após hesitação, todos monotematicamente concordavam com a ideia de que os portugueses são monotemáticos: falam todos da mesma coisa e ao mesmo tempo; vão à mesma praia à mesma hora; têm todos a mesma opinião. Melhor que isto só mesmo os jornalistas portugueses, que detestam ser criticados. Só não encontrei nenhuma relação com a ansiedade do status, embora me pareça (foi o que escrevi no relatório) que esta é a melhor defesa: o igualitarismo suaviza o fenómeno.
“Houve aqui um erro, Raposo”, disse o director, sem tirar os olhos do meu relatório. “A encomenda da tutela da tutela era sobre o monoteísmo, não sobre o monotematismo”.
E o resultado dessa outra investigação é uma história que merece ser contada.