sábado, janeiro 26, 2008

SNS - Porquê tanta revolta? (3)


Estreei-me nos Capuchos, em Lisboa. Nesse tempo ainda deixavam as crianças visitar os doentes nos hospitais. Com a curiosidade dos meus seis anos, à medida que me encaminhavam pela mão para a enfermaria onde a minha avó recuperava de uma fractura, fui registando tudo o que me interessava: detalhes (no mundo miúdo dos miúdos os detalhes têm sempre muita importância).
Nesse tempo, o hospital – como a generalidade dos hospitais deste país – ainda não tinha levado obras, daí que a minha memória da época tenha as tintas dos romances de Dickens. Tudo sombrio, sujo, fedorento e enorme.
Despachados os beijinhos à avó, que odiei ver sem a dentadura postiça, minha mãe libertou-me da sua vigilância e então pude circular. Talvez por intuírem que os adultos as gostam de poupar aos aspectos sórdidos da vida, quando a oportunidade espreita as crianças procuram sobretudo o que não encaixa na imagem que lhes dão da realidade. Por isso, foi quase com avidez que passei em revista aqueles corpos mirrados e tristes, cobertos por colchas puídas e lençóis encardidos. Na meia luz da enfermaria fiquei a olhar para os tectos rachados e pretos de bolor, com estalactites de caliça. Mas o pior era aquele cheiro, aquele cheiro, aquele cheiro...

Naquele dia fiquei a saber como era um hospital a sério (os que eu via nas séries de televisão americanas afinal eram todos a fingir) e descobri que a minha avó era muito mais corajosa do que eu pensava.