Quantos livros se traduzem em árabe?
A Holanda é um exemplo de um país onde vigora a mais ampla liberdade de expressão? Terá sido, mas já não é. O assassínio do cineasta Theo Van Gogh, acusado de blasfemar contra o Islão, demonstrou como vivemos em regime de liberdade condicionada neste mundo pós-11 de Setembro. A confirmação surgiu há pouco, de novo dessa Holanda que muitos ainda apontam como paradigma da tolerância: o Museu Nacional de Haia recusou expor fotos e um vídeo da artista iraniana Sooreh Hera que usava dois modelos com máscaras do profeta Maomé e o seu genro Ali como se fossem um par homossexual. A artista, que se tem especializado em temática homossexual, alegou que este seu trabalho visava criticar a “hipocrisia” da religião muçulmana nesta matéria, mas não convenceu os responsáveis do museu. A sua obra “poderia incomodar certos sectores da população” e “um centro de arte não é um fórum político”: estes foram os dois argumentos utilizados para a recusa.
No século XVIII, Voltaire saiu em defesa da blasfémia ao saber que um cavaleiro fora torturado por denúncia das autoridades eclesiásticas francesas ao recusar descobrir-se quando passava uma procissão. A abolição do delito por blasfémia constituiu uma viragem civilizacional, tornando-se um dos factos mais emblemáticos da “Europa das Luzes” cuja herança muitos pretendem negar. Duzentos anos depois, a blasfémia volta a ser delito neste mesmo continente. Pago com a censura, no caso de Sooreh Hera, ou mesmo com a vida, como aconteceu com Theo Van Gogh, assassinado por um fanático holandês de origem marroquina.
Como a polémica em torno das caricaturas dinamarquesas já tinha demonstrado, os teocratas islâmicos pretendem impor o seu vasto cardápio de interditos aos bisnetos de Voltaire – e estão a conseguir esse objectivo com a cumplicidade activa dos mentores do “diálogo das civilizações”. Mas pode haver diálogo com quem mata ou manda matar para suprimir a circulação de ideias contrárias? Esta é uma das questões centrais do nosso tempo. Questão a que o filósofo francês Bernard-Henri Lévy dá uma resposta sem qualquer ambiguidade: “Não sou tolerante com os homens que obrigam as mulheres a usar véu. Não sou tolerante com os grupos que mantêm a prática da excisão do clítoris às meninas. Não sou tolerante com os apóstolos da jihad.” Palavras ditas num frente-a-frente que recentemente juntou, nas páginas do El Mundo, dois filósofos politicamente incorrectos. O outro é o espanhol Fernando Savater, que pôs o dedo nesta ferida: “O que hoje se enfrentam não são duas civilizações, mas a democracia e a teocracia. A concepção aberta, liberal, de direitos humanos, da democracia, e a concepção teocrática do Estado e da sociedade.” Duas concepções que podem ser comparadas deste modo: “Quantos livros se traduzem em árabe? Nos últimos dez séculos traduziram-se menos livros em árabe do que se traduzem agora por ano em Espanha ou França.”
No século XVIII, Voltaire saiu em defesa da blasfémia ao saber que um cavaleiro fora torturado por denúncia das autoridades eclesiásticas francesas ao recusar descobrir-se quando passava uma procissão. A abolição do delito por blasfémia constituiu uma viragem civilizacional, tornando-se um dos factos mais emblemáticos da “Europa das Luzes” cuja herança muitos pretendem negar. Duzentos anos depois, a blasfémia volta a ser delito neste mesmo continente. Pago com a censura, no caso de Sooreh Hera, ou mesmo com a vida, como aconteceu com Theo Van Gogh, assassinado por um fanático holandês de origem marroquina.
Como a polémica em torno das caricaturas dinamarquesas já tinha demonstrado, os teocratas islâmicos pretendem impor o seu vasto cardápio de interditos aos bisnetos de Voltaire – e estão a conseguir esse objectivo com a cumplicidade activa dos mentores do “diálogo das civilizações”. Mas pode haver diálogo com quem mata ou manda matar para suprimir a circulação de ideias contrárias? Esta é uma das questões centrais do nosso tempo. Questão a que o filósofo francês Bernard-Henri Lévy dá uma resposta sem qualquer ambiguidade: “Não sou tolerante com os homens que obrigam as mulheres a usar véu. Não sou tolerante com os grupos que mantêm a prática da excisão do clítoris às meninas. Não sou tolerante com os apóstolos da jihad.” Palavras ditas num frente-a-frente que recentemente juntou, nas páginas do El Mundo, dois filósofos politicamente incorrectos. O outro é o espanhol Fernando Savater, que pôs o dedo nesta ferida: “O que hoje se enfrentam não são duas civilizações, mas a democracia e a teocracia. A concepção aberta, liberal, de direitos humanos, da democracia, e a concepção teocrática do Estado e da sociedade.” Duas concepções que podem ser comparadas deste modo: “Quantos livros se traduzem em árabe? Nos últimos dez séculos traduziram-se menos livros em árabe do que se traduzem agora por ano em Espanha ou França.”
Reflectir sobre estes temas é cada vez mais importante numa Europa onde a autocensura vai alastrando, paradoxalmente, em nome da “tolerância” com a civilização islâmica. Mas haverá mesmo uma “civilização islâmica”, que mereça um tratamento diferenciado e nos leve à supressão de direitos há muito adquiridos? A resposta vem ainda da boca de Savater: “Há culturas diferentes, mas uma só civilização. Todos compartilhamos o mesmo mundo. Quando Ossama bin Laden adoece, toma o mesmo tipo de remédios que Bush. Quando quer acabar com os inimigos, utiliza o mesmo tipo de armas e explosivos que Bush usa para acabar com os seus. A civilização – quer dizer, encontrar os melhores meios para resolver uma série de problemas – é a civilização industrial avançada em que estamos todos. Uns e outros.”
É por isto que o jornalista britânico Nick Cohen protesta contra a esquerda relativista, que é “totalmente a favor da emancipação das mulheres em Londres, Paris e Nova Iorque, enquanto se mantém indiferente à misoginia no Médio Oriente, África e Ásia”. Vem no seu livro O que resta da esquerda?, agora editado em Portugal. Serve para percebermos melhor o caso de Sooreh Hera e tantos outros que vão sendo notícia por aí.
É por isto que o jornalista britânico Nick Cohen protesta contra a esquerda relativista, que é “totalmente a favor da emancipação das mulheres em Londres, Paris e Nova Iorque, enquanto se mantém indiferente à misoginia no Médio Oriente, África e Ásia”. Vem no seu livro O que resta da esquerda?, agora editado em Portugal. Serve para percebermos melhor o caso de Sooreh Hera e tantos outros que vão sendo notícia por aí.
Etiquetas: monólogo de civilizações