sexta-feira, janeiro 11, 2008

O homem de plástico


As últimas duas semanas ficam marcadas como o princípio do estertor do Governo liderado por José Sócrates. A coisa podia ter começado a correr mal logo durante a cimeira UE-África, durante a qual vários países ameaçaram romper acordos por não concordarem com os princípios que os orientavam. A Comissão Europeia e Durão Barroso salvaram a face da cimeira e da presidência com o estender dos prazos para os países africanos receberem uma série de ajudas e compensações. Depois disto, a assinatura do Tratado de Lisboa, a 13 de Dezembro, nos Jerónimos, parecia que dava um novo alento ao Governo e ao primeiro-ministro, que semanas antes chegara a ser apupado por alguns eurodeputados. Foi sol de pouca dura.
Sócrates resolveu distender do enorme esforço da presidência da UE e foi de férias, presenteado pelos seus próprios ministros. Antes de partir para algum lado para melhorar o tom de pele e aliviar a alma, o PM resolveu deixar uma mensagem de Natal/Ano Novo em tons muito cor-de-rosa que o Presidente da República, dias depois, acabaria por destruir por completo, exigindo mais e melhores resultados. Com elogios ao exercício da presidência da UE e ao equilíbrio das finanças públicas, Cavaco deixou recados importantes. Sublinho três:"Será possível reduzir a taxa de desemprego?; os sacrifícios da última meia dúzia de anos garantem um futuro melhor?; conseguirá o País aproximar-se do nível de desenvolvimento médio da União Europeia?"
A resposta a isto ainda irá tardar a ser dada. Mas os exemplos das últimas semanas não são bons. O primeiro-ministro pode dizer que a confusão à volta de uma lista à liderança do BCP, maioritariamente constituída por gente próxima do Governo e encabeçada pelo homem que estava à frente da CGD, é um assunto menor. Pode vir acrescentar que não teve nada a ver com isso, que não admite insinuações, mas fica a suspeita. Com tantos e tão bons gestores no País, os homens fortes do BCP só tinham a solução de ir pescar no "plantel" da CGD? Não me parece.
Depois, há esta semana, a crítica. A semana em que José Sócrates simulou uma reviravolta na sua posição face à ratificação do Tratado de Lisboa. Ao rasgar mais uma promessa eleitoral (a este ritmo perdi-lhes a conta), Sócrates trai os seus eleitores, embora de facto facilite a vida à generalidade dos países e dos líderes europeus. Sobretudo ao seu amigo Gordon Brown. E até safa o tratado. Mas a coisa escusava de ter sido feita desta maneira. Com tanto recurso ao bluff político. No dia seguinte à conclusão do tratado, antes mesmo dele ser assinado, Sócrates poderia ter dito qual seria a forma de ratificação. Poupava tempo e especulação. Saía reforçado.

Ontem foi a vez da reviravolta em relação ao aeroporto da Ota. Outra promessa eleitoral e outro desígnio do programa de Governo que fica pelo caminho. Ao optar por Alcochete, o Governo toma uma decisão sensata, sustentada por um estudo comparativo do LNEC, só que acaba por deitar por terra uma grande fatia de credibilidade. O PS e o Governo tinham não sei quantos estudos que diziam o contrário e foi preciso a CIP e o PR terem uma intervenção directa para o Governo distinguir o trigo do joio? Não me parece. Como no referendo ao tratado, há muito tempo que o Governo sabia que Alcochete era a melhor solução. Mais barata, porque os terrenos são do Estado, com maior capacidade de expansão e com uma relação custo-benefício mais vantajosa. Só nas terraplanagens que era preciso fazer na Ota poupam-se qualquer coisa como 750 milhões de euros. Agora imagine-se no resto.

A próxima asneirada tem um nome: remodelação. Não porque não seja necessária, porque é, mas sobretudo por ela ir atingir apenas uns quantos dispensáveis. Os melhores amigos do primeiro-ministro, mesmo que de competência duvidosa, irão ficar no executivo. Os que não são incompetentes mas tiveram falhas políticas graves, como é o caso de Mário Lino, também não deixam de comer à mesa. Quanto muito mudam de cadeira e de pasta. A remodelação que se exige teria que ser vasta.
O cenário não está bonito. Agora imaginem que o Tribunal de Contas não dá um visto favorável ao empréstimo que António Costa pediu para a CML? A crise no PS e, por arrasto, no Governo irá agudizar-se. Alguém está a ver o todo-poderoso Costa, antigo número dois do executivo, a ter de governar Lisboa ao abrigo do artigo 40.º, vivendo de duodécimos? Eu não. Já agora: na política não há favas contadas e isto começa a parecer tudo demasiado plástico. O povo não é estúpido.