Diário na enfermaria (3)
Para a administração do hospital, as famílias são constituídas por homem, mulher e um filho. Por isso, há na enfermaria das mulheres um horário de visita especial, à noite, para "o marido e o filho". Chamo a enfermeira de meia idade que me deu a informação:
- Enfermeira, eu não tenho marido mas quero que venham os meus filhos nessa hora com alguém.
Sinto o peso dos olhos frios da enfermeira, direita, a olhar para a minha cara deitada na almofada. Olha como se essa situação nunca tivesse ocorrido e se devesse a uma falha de carácter minha.
A uma batida de coração, baixa-me a tensão arterial e sinto-me tentada a fazer de vítima. Na batida seguinte, sobe a tensão arterial e decido sustentar aquele olhar.
Ela resigna-se, e agora só as rugas no canto da boca mostram que acha que estou a tentar criar problemas:
- E quem é que vem com os seus filhos?
- Não sei, quem os puder trazer, depende da disponibilidade. Um tio, uma avó, um amigo...
A enfermeira acha que eu estou a passar das marcas e decide pôr-me no lugar: - Tem que dizer quem é a pessoa, essa visita é só para os familiares mais próximos e a senhora tem que dizer quem são.
- A avó - digo, vencida pelo cansaço e a sentir o olhar dela cravar-me na pele a letra escarlate.