Com Zé Nero no porão
“O seu nome não consta da minha lista!”. As palavras do funcionário, tipicamente português na sua arrogância de quem detém um pequeno poder, causaram-me um misto de perplexidade e divertimento. Estive para lhe dizer que tinha sido o próprio primeiro-ministro, um rapaz a quem já adivinhava grande futuro desde os seus alvores albicastrenses, quem me tinha telefonado a insistir para que acompanhasse a sua comitiva na viagem à China. Mas é claro que ele não acreditaria. Ao contrário das dezenas de empresários, políticos e jornalistas que, alinhados em filas certinhas, ele ia chamando para o avião, sempre evitei os holofotes mediáticos.
Como explicar-lhe, com os motores já a roncar, o meu longo conhecimento dos ensinamentos de Mao Zedong, como descrever-lhe o pôr-do-sol em Beijing, como contar-lhe em breves momentos os sonhos de toda uma geração? Não havia tempo a perder! Agarrei num cabo atado ao avião e, com uma agilidade insuspeita para o meu 1.60 m por 85 kg, icei-me para o porão das bagagens. Depois, introduzi-me na cabine e consegui um lugar deixado vago por um empresário têxtil que (soube mais tarde) teve que ficar em Portugal porque o sistema de controlo de idas à casa de banho das suas operárias tinha avariado, pondo em risco o futuro da fábrica.
A viagem para cá correu bem, tirando um problema: fiquei sem mala, ou antes, com a mala do tal empresário do norte que ficou na pista a ver navios. Ficarei esquisito, com estes fatos dois números acima do meu tamanho.
* José Nero Fontão julga que Beijing é a Cidade Proibida
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