Valha-lhes Deus
O padre Carreira das Neves leu a palestra do Papa Bento XVI - intitulada Fé, Razão e Universidade - que inflamou algumas secções da "rua árabe" que não a leram nem jamais a lerão. Considerou-a "um documento notável", desde logo por "estabelecer pontes epistemológicas entre a Fé a Razão". O próprio Pontífice acentuou na sua alocução, em termos que não deixavam lugar a dúvidas: "Não agir de acordo com a razão é contrário à natureza de Deus."
Notável. Lamentavelmente, esta palestra incendiou os ânimos dos islamitas radicais, que mal ouvem falar em razão puxam logo da pistola. É com esta gente que queima efígies do Papa em público que alguns clérigos cá do burgo gostariam de estabelecer um "diálogo interreligioso" - entre eles o padre Neves, que num artigo no Expresso lança esta douta sentença: "O Papa não foi feliz." Separar violência e fé, como Bento XVI defendeu na universidade alemã de Ratisbona, terá sido "um acidente académico perigoso para a ideologia muçulmana dos nossos dias".
Nem o meu amigo Daniel Oliveira, ateu convicto, alinhou neste tom. Na coluna de opinião paginada ao lado da do padre Neves no Expresso, o Daniel acentua: "O Papa soube deitar água fria no fanatismo islâmico e no racismo que domina a nossa intelectualidade ocidental." Carreira das Neves não pensa assim. E acha até que a vandalização de igrejas na Palestina e o lançamento de cruzadas de morte contra Bento XVI constituem respostas "de acordo com a crítica do imperador bizantino" Manuel II que o Papa citou em Ratisbona.
E que crítica é essa, feita em 1391 pelo imperador a um interlocutor persa de fé islâmica? "Mostra-me o que é que Maomé trouxe de novo. Apenas encontrarás coisas más e desumanas, como a sua directiva de espalhar com a espada a fé que pregava." Horror! O Papa não devia ter beliscado, mesmo recorrendo à linguagem metafórica, esta relação entre proselitismo e actos violentos...
Chegado aqui, apetece-me subscrever o que disse ontem a Clara Ferreira Alves numa insuspeita tirada machista no Eixo do Mal: "Chega de baixar as calças!" É um argumento um bocado prosaico, reconheço. Mas depois de ver o padre Neves fazer coro com os radicais islâmicos nas críticas ao Papa Ratzinger, também não me ocorre nenhum mais expressivo que este. Às vezes penso que a Síndroma de Estocolmo não afecta só aqueles que são fisicamente prisioneiros, mas também os que se encontram espiritualmente sequestrados. Valha-lhes Deus.