segunda-feira, junho 05, 2006

"Marcelices"

Marcelo Rebelo de Sousa acabou por criticar ontem o veto político usado por Aníbal Cavaco Silva para travar a Lei da Paridade. Diz MRS - escolhido pelo Presidente da República para figurar no círculo restrito de conselheiros de Estado - que Cavaco Silva utilizou uma argumentação política para resolver o que é do foro jurídico. E que, ao invés, deveria ter recorrido ao Tribunal Constitucional. Lembrou até que a prática iniciada pelo actual Presidente é mais ao estilo de Soares do que de Sampaio.
A verdade é que quem ler com mais atenção a nota presidencial constata que a argumentação do PR é tanto política, como jurídica. Logo, o que o PR optou por fazer resulta em poupança de tempo e trabalho ao TC. Evita até crispação com o PS, partido que suporta o Governo, que assim se veria na contingência de ter de ver o que sairia do Palácio Ratton. Se Cavaco tivesse dúvidas sobre o projecto de lei do PS recorreria ao TC. Não teve, mandou para trás. Para além das sanções, o PR levantou sobretudo questões que têm a ver com a "liberdade política" (expressão que usa na nota), o que, convenhamos, não é matéria para ser analisada exclusivamente pelo TC. Isto a existir, como se vê, um PR que quer ter voz e usar os poderes para que foi investido.
Daqui resulta outra questão interessante a seguir: a gestão habilidosa que Marcelo terá de fazer nos próximos três/quatro anos, na sua múltipla qualidade de membro do Conselho de Estado, nomeado pelo próprio PR, comentador da RTP em horário nobre e colunista do semanário "Sol" a partir do último trimestre deste ano. E, é claro, de putativo (e desejado) candidato à sucessão de Marques Mendes no PSD. MRS gosta dos palcos, até porque estes são óptimos quando se quer aceder ao poder, mas a linha que separa o comentador do conselheiro é ténue. Até porque são uma e a mesma pessoa. Se hoje a opinião pública pode agradecer a MRS não confundir a sua posição no Conselho de Estado e conseguir, mesmo assim, manter um espírito crítico face ao PR, amanhã a situação pode inverter-se. O PR pode ver ali recato a menos no tratamento de questões de Estado, se bem que o PR já revelou abertura com conselheiros seus (que não são de Estado, é certo, têm sobretudo funções de gabinete) que escrevem em blogues. Quando tempo irá durar o dilema?