terça-feira, maio 30, 2006

Cannes "versus" Hollywood



Tenho uns amigos que juram que o critério "elitista" do júri de Cannes afasta os melhores filmes em concurso. Outros que garantem que Hollywood é incapaz de reconhecer uma obra de arte. Com a atribuição da última Palma de Ouro, este fim de semana, fui conferir que filmes de indiscutível qualidade foram galardoados em Hollywood e Cannes nos últimos 30 anos. Resultado: um empate.
Passo a explicar.
1. Obras-primas galardoadas em Hollywood com o Óscar de melhor filme de 1976 para cá: Annie Hall (1977), O Caçador (1978), Amadeus (1984), Imperdoável (1992), A Lista de Schindler (1993), O Paciente Inglês (1996), Titanic (1997), Chicago (2002), Sonhos Vencidos (2004) e Colisão (2005).
2. Obras-primas galardoadas em Cannes com a Palma de Ouro, no mesmo período: Taxi Driver (1976), Apocalypse Now (1979), Paris, Texas (1984), Um Coração Selvagem (1990), Segredos e Mentiras (1996), Rosetta (1999), Dancer in the Dark (2000), O Quarto do Filho (2001), O Pianista (2002) e A Criança (2005).
3. É certo que Hollywood atribuiu o Óscar a vários filmes que não ultrapassam o patamar da vulgaridade ou são mesmo medíocres. Exemplos: Momentos de Glória (1981), Laços de Ternura (1983), Encontro de Irmãos (1988), Miss Daisy (1989), Forrest Gump (1994), A Paixão de Shakespeare (1998) e Mente Brilhante (2001).
4. Também é verdade, no entanto, que Cannes concedeu a Palma de Ouro a filmes que não a mereciam. O caso mais gritante foi Fahrenheit 9/11, do cabotino Michael Moore (2004). Mas também All That Jazz (1980), Sexo, Mentiras e Vídeo (1989), Barton Fink (1991), A Eternidade e um Dia (1998) e Elephant (2003), entre outros.
5. Parece-me evidente que o júri de Cannes tem sido mais perspicaz a galardoar cineastas norte-americanos do que o de Hollywood. Casos mais notórios: as Palmas de Ouro entregues a Martin Scorsese, que nunca recebeu uma estatueta (por Taxi Driver), e a Francis Ford Coppola (por Apocalypse Now). Obras-primas que passaram ao largo dos Óscares.
6. Também é verdade, entretanto, que Hollywood já galardoou cineastas europeus que nunca conquistaram a Palma de Ouro. O caso mais evidente parece-me ser o de Pedro Almodóvar, Óscar para melhor filme estrangeiro em 1999, por Tudo Sobre a Minha Mãe. E já nem falo do belíssimo Cinema Paraíso de Giuseppe Tornatore (1988).
7. É de bom tom desdenhar dos Óscares. Mas nas últimas três décadas cineastas como Woody Allen, Milos Forman, Clint Eastwood, Steven Spielberg e Roman Polanski receberam a estatueta de Hollywood para a melhor realização. Tudo casos de indiscutível talento.
8. Também não convém esquecer que realizadores como Fellini, De Sica, Buñuel, Bergman, Tati e Truffaut foram galardoados com o Óscar (de melhor filme estrangeiro). O que de algum modo invalida o argumento de que Hollywood fecha os olhos aos grandes talentos universais da Sétima Arte.