Com o beijo de Judas
começa a Paixão. O evangelho gnóstico de Judas revelado agora pelo National Geographic Chanel quer fazer-nos crer que na verdade Judas Iscariotes, um dos doze apóstolos, não traíu Jesus, mas antes o seu beijo foi o beijo de um "íntimo" do mestre que, ao entrega-lo, mais não fez do que "um acto glorioso", "heróico", por ter ajudado Jesus a "libertar o espírito do seu corpo". Foi portanto um "acto de obediência e não de traição".
Esta, no mínimo curiosa, perspectiva evangélica para já só me faz lembrar a célebre expressão de Santo Agostinho (que se canta na noite de Páscoa): "ó feliz culpa que mereceste tão grande salvador, ó feliz culpa". Na verdade, sem as nossas culpas, sem as nossas traições, de que precisariamos ser salvos? Mas a boa notícia (evangelho) é que Jesus aceitou em si mesmo, amorosamente, até ao extremo da morte sem justificações nem defesas, as minhas traições ao amor, a minha inimizade, a minha recusa do amor, a minhas condenações diárias. E em vez do seu aniquilamento e desaparecimento para o Nada, eis que ressurge o seu Ser, dando-me a prova de que eu, amando sem medo até ao limite, mesmo que isso me traga traições e incompreensões não morro, mas vivo.
"Se o ultraje viesse de um inimigo
eu poderia suporta-lo;se a agressão partisse de quem me odeia,
talvez dele me escondesse.
Mas és tu, meu companheiro,
meu familiar e meu amigo,
com quem vivia em doce intimidade
e nas festas frequentava a casa de Deus"
(Salmo 54)