Serralves na Assembleia: uma estopada com guia
Visitar a exposição que a Fundação Serralves está a fazer na Assembleia da República, como eu fiz há dias, é uma estopada das antigas. Não vou entrar no mérito das obras expostas, nem na sua estafada "descontextualização" . O grande problema é que a exposição só pode ser visitada em grupo e é guiada por uns jovens formados em História de Arte, Belas Artes ou algo no género. Não sei se os organizadores têm medo que os visitantes se escondam nos Passos Perdidos ou que tenebrosos monárquicos como eu profanem o busto da república, mas a verdade é que somos obrigados à excursão pastoreada.
Logo à partida, embirrei com a jovem que nos calhou, com voz pedante e ar de quem, apesar dos seus profundos conhecimentos, nos ia transmitir de forma leve e divertida os segredos da Arte Moderna. Estimulados pela guia, houve de imediato uma pequena disputa entre dois ou três imbecis para provar quem era o mais engraçado do grupo. Mal eu vi no que me tinha metido, comecei a deixar-me ficar para trás, mas não conseguia escapar às explicações. Tudo "remetia" para alguma coisa, cruzavam-se "círculos privados" com "círculos públicos", por cada três frases havia um "se quiseremos", e por aí fora. Apostando na interactividade, a guia perguntou ao grupo se sabiam qual era o material em que era feito uma das obras. Um jovem de ar truculento pôs-se a dar-lhe pancadinhas com os nós dos dedos e, perante a advertência da guia para não o fazer, deu categoricamente uma resposta que mostra anos de profunda reflexão: "A Arte é para se tocar!". Mas o maior chato do grupo era um arquitecto escanzelado, careca e com a barba por fazer que decidiu mostrar que sabia mais do que a guia e lhe contrapunha argumentos tratando os artistas pelo primeiro nome, com pérolas como "nesta fase, o Pedro estava fascinado pelos cinzentos".
A meio da visita já tinha perdido a esperança, mas a minha mulher disse-me que no fim iríamos visitar o hemiciclo e isso deu-me um grande ânimo. Já tinha estado nas galerias e nos corredores, mas gostei muito da perspectiva de andar à solta entre as bancadas e ter a perspectiva da vida parlamentar de um Louçã, de uma Odete ou de um Hasse Ferreira. E, de facto, acabou por compensar um pouco a estopada, sobretudo porque encontrei uma alma gémea na pessoa de uma saudável velhota, que já tinha visto rir a bom rir de uma instalação-vídeo de Bruce Nauman que mostrava um casal à chapada "enquanto representação das tensões do mundo urbano" (guia dixit), estava tão encantada quanto eu por estar no hemiciclo. E que, vingando-me da minha silenciosa cobardia, confrontou a guia, dizendo-lhe olhos nos olhos: "esta foi a parte da exposição de que gostei mais".